O Projeto Trilha Verde e a Mobilidade Elétrica na Ilha de Fernando de Noronha

Em meio ao crescente debate sobre sustentabilidade e preservação ambiental, o Brasil vem apresentando iniciativas inspiradoras que apontam para um futuro mais limpo em termos de mobilidade. O arquipélago de Fernando de Noronha, patrimônio natural da humanidade reconhecido pela UNESCO, tornou-se um verdadeiro laboratório vivo para a mobilidade elétrica no país, demonstrando que a transição para veículos zero emissão não é apenas possível, mas também estratégica para áreas de preservação ambiental.

Projeto Trilha Verde: Um Marco para a Mobilidade Elétrica no Brasil

Em março de 2022, o projeto Trilha Verde foi oficialmente lançado, representando um passo decisivo para a consolidação da mobilidade elétrica em Fernando de Noronha. Fruto da parceria entre a Neoenergia, o Governo de Pernambuco e empresas como Renault, WEG, além de instituições como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o projeto integra o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Neoenergia, regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O Trilha Verde trouxe melhorias significativas para a infraestrutura de mobilidade elétrica da ilha:

  • 18 novos veículos elétricos incorporados às atividades econômicas locais
  • 12 ecopostos de recarga estrategicamente posicionados
  • Duas novas usinas solares fotovoltaicas com capacidade total de 100 kWp
  • Sistema de armazenamento de energia com potência de 100 kW/200 kWh

Entre os veículos implementados, destaca-se a diversidade da frota, que inclui quatro buggies elétricos destinados às atividades turísticas – uma solução perfeitamente adaptada às características e necessidades da ilha. A iniciativa demonstra que a mobilidade elétrica pode ser personalizada para diferentes contextos e necessidades locais.

Uma Visão Sistêmica para a Mobilidade Sustentável

O que torna o projeto Trilha Verde particularmente interessante é sua abordagem sistêmica. Além de simplesmente introduzir veículos elétricos, o projeto contempla toda a cadeia necessária para uma mobilidade verdadeiramente sustentável:

Geração de Energia Limpa

As duas novas usinas solares do projeto não apenas suprem a necessidade energética da frota elétrica, mas geram um excedente que é injetado na rede de distribuição local. Isso amplia o uso de fontes renováveis por todos os consumidores da ilha, demonstrando como a mobilidade elétrica pode ser integrada a um sistema energético mais limpo e eficiente.

A capacidade instalada dessas usinas é aproximadamente três vezes maior do que a necessidade inicial do projeto, permitindo não apenas o abastecimento dos veículos, mas também contribuindo para reduzir a dependência da ilha da geração térmica a biodiesel da Usina Tubarão.

Infraestrutura de Recarga Inteligente

Os 12 novos ecopostos implementados pelo projeto não são simples pontos de recarga. Eles compõem uma rede estrategicamente planejada, com diferentes capacidades para atender a diversas necessidades:

  • Oito pontos de recarga rápida com potência de 22 kW
  • Dois pontos de recarga com potência de 7,4 kW
  • Dois pontos com tecnologia V2G (vehicle-to-grid)

A tecnologia V2G, em particular, representa um avanço significativo, pois permite um fluxo bidirecional de energia. Os veículos não apenas consomem energia da rede, mas podem também devolvê-la em períodos de alta demanda, funcionando como verdadeiras baterias móveis e contribuindo para a estabilidade do sistema elétrico da ilha.

Armazenamento de Energia

Reconhecendo os desafios da intermitência das fontes renováveis, o projeto também implementou um sistema de armazenamento de energia. Esta solução garante o fornecimento contínuo de energia limpa para os veículos elétricos, mesmo nos momentos em que não há geração solar suficiente, como durante a noite.

Legislação como Catalisador da Transformação

A transição para a mobilidade elétrica em Fernando de Noronha não é apenas uma iniciativa voluntária, mas parte de um plano legislativo estruturado. A Lei Estadual 16.810/20 estabelece marcos claros para essa transição:

  • A partir de 10 de agosto de 2025, será proibida a entrada de novos veículos a combustão na ilha
  • A partir de 2030, será vedada a circulação de carros movidos a gasolina, diesel e etanol no arquipélago

Essa legislação cria não apenas obrigações, mas também oportunidades para empreendedores e serviços locais se adaptarem à nova realidade da mobilidade. O Trilha Verde, nesse contexto, serve como um facilitador dessa transição, criando a infraestrutura necessária e testando modelos de negócio viáveis para a realidade insular.

Resultados e Perspectivas Futuras

O projeto prevê a avaliação dos veículos elétricos e recursos energéticos utilizados até o final de 2023. As informações coletadas serão submetidas a avaliações de viabilidade dos modelos de negócios, resultando em um mapa orientativo para futuras ações relacionadas à mobilidade elétrica em Fernando de Noronha e potencialmente em outras regiões com características similares.

O presidente da Neoenergia Pernambuco, Saulo Cabral, destacou: “Mais que simplesmente ampliar veículos elétricos, ecopostos e sistemas de geração de energia limpa na ilha, o Trilha Verde tem o propósito de avaliar a viabilidade de modelos de negócios sob os aspectos ambientais, técnicos e econômicos em Fernando de Noronha.”

Um Modelo para o Brasil

A experiência de Fernando de Noronha representa um modelo potencial para outras regiões do Brasil, especialmente aquelas com características semelhantes, como áreas de proteção ambiental, ilhas ou destinos turísticos que buscam preservar seu patrimônio natural.

O projeto se alinha com iniciativas mais amplas da Neoenergia para promover a mobilidade sustentável no Brasil, como o Corredor Verde – a maior eletrovia do Nordeste, com 1.100 quilômetros de extensão entre Salvador (Bahia) e Natal (Rio Grande do Norte).

Todas essas iniciativas estão em concordância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, especialmente o número 7 (energia limpa e acessível), 9 (indústria de inovação e infraestrutura), 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e 17 (parcerias e meios de implementação).

Descarbonização Gradual: O Caminho para o Futuro

O projeto Trilha Verde é apenas uma parte do processo de descarbonização de Fernando de Noronha. Atualmente, cerca de 55% das emissões de gases de efeito estufa da ilha são provenientes de aeronaves que fazem o transporte de ida e volta para o continente, 30% da usina termelétrica a óleo e 10% dos transportes terrestres.

A substituição da frota terrestre por veículos elétricos, portanto, ataca uma parte importante, mas não exclusiva do problema. Por isso, o projeto se insere em um contexto mais amplo do Programa Noronha Carbono Zero, que visa neutralizar, até 2050, todas as emissões de Gases de Efeito Estufa do arquipélago.

Em setembro de 2021, uma das companhias aéreas que atuam em Fernando de Noronha já iniciou a neutralização de emissão de carbono em todos os seus voos entre Recife e o arquipélago, através da campanha #MeuVooCompensa. Essa iniciativa permite que tanto turistas quanto moradores resgatem certificados de créditos de carbono já compensados relativos aos seus voos.

Lições para o Brasil Continental

O que podemos aprender com a experiência de Fernando de Noronha para aplicar no restante do Brasil? Algumas lições importantes se destacam:

  1. Abordagem integrada: A mobilidade elétrica exige um pensamento sistêmico que integre veículos, infraestrutura de recarga e geração de energia limpa.
  2. Parcerias público-privadas: O sucesso do projeto Trilha Verde deve-se em grande parte à colaboração entre governo, empresas e instituições de pesquisa.
  3. Legislação progressiva: Estabelecer marcos legais claros e progressivos para a transição energética cria previsibilidade e estimula investimentos.
  4. Adaptação às realidades locais: A mobilidade elétrica pode e deve ser adaptada às características e necessidades específicas de cada região.
  5. Pesquisa e desenvolvimento: O monitoramento e a avaliação contínua dos projetos permitem ajustes e melhorias constantes.

Fernando de Noronha está se consolidando como um exemplo vivo de como a mobilidade elétrica pode ser implementada com sucesso no Brasil. Mais do que um simples projeto de substituição de veículos, o Trilha Verde representa uma visão holística de mobilidade sustentável, que integra transporte, energia e turismo em um modelo coerente e viável.

À medida que o Brasil busca caminhos para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e desenvolver soluções de mobilidade mais sustentáveis, experiências como a de Fernando de Noronha oferecem insights valiosos e inspiração para políticas públicas e iniciativas privadas pelo país.

FAQ sobre Mobilidade Elétrica

1. Qual a autonomia média dos veículos elétricos utilizados em Fernando de Noronha?

A autonomia varia conforme o modelo, mas os veículos implementados no projeto foram selecionados considerando as dimensões da ilha, que possui aproximadamente 17 km² de área. A infraestrutura de recarga foi planejada para garantir que os veículos possam ser recarregados de forma conveniente em diferentes pontos estratégicos.

2. Os veículos elétricos são adequados para todos os tipos de terreno da ilha?

Sim, a frota foi diversificada justamente para atender às diferentes necessidades. Os buggies elétricos, por exemplo, são perfeitamente adaptados para terrenos mais acidentados, enquanto veículos leves atendem às necessidades urbanas e de deslocamento em estradas pavimentadas.

3. Como funciona a tecnologia V2G implementada em alguns pontos de recarga?

A tecnologia V2G (Vehicle-to-Grid) permite que o fluxo de energia seja bidirecional. Isso significa que, além de recarregar a bateria, o veículo pode devolver energia à rede em momentos estratégicos, como em períodos de pico de demanda. Esta tecnologia transforma os veículos em pequenas unidades de armazenamento de energia, contribuindo para a estabilidade do sistema elétrico.

4. Quanto tempo leva para recarregar completamente um veículo elétrico nos ecopostos de Fernando de Noronha?

O tempo de recarga varia conforme a potência do ecoposto e a capacidade da bateria do veículo. Nos pontos de recarga rápida de 22 kW, um veículo de passeio típico pode recuperar significativamente sua carga em cerca de 1 a 2 horas. Já nos pontos de 7,4 kW, esse tempo pode ser de 3 a 4 horas para uma recarga substancial.

5. A infraestrutura elétrica da ilha suporta o aumento da demanda por energia com a eletrificação da frota?

Sim, o projeto foi concebido de forma integrada, com a implementação de usinas solares que geram mais energia do que o necessário para a frota elétrica. O excedente é injetado na rede, beneficiando a toda a comunidade. Além disso, o sistema de armazenamento de energia ajuda a equilibrar a oferta e demanda, especialmente nos períodos sem geração solar.

6. O que acontecerá com os veículos a combustão que já estão na ilha após 2030?

Conforme a legislação estadual, a partir de 2030 será vedada a circulação de veículos movidos a gasolina, diesel e etanol em Fernando de Noronha. Os proprietários deverão substituir seus veículos por alternativas elétricas. A entrada de novos veículos a combustão será proibida já a partir de 10 de agosto de 2025, conforme o cronograma atualizado da implementação da lei. O projeto Trilha Verde e outras iniciativas similares visam facilitar essa transição, criando a infraestrutura necessária e testando diferentes modelos de veículos para as necessidades locais.


Nota: Este blog não possui nenhuma parceria comercial com as marcas e empresas mencionadas neste artigo. Todas as informações são apresentadas com fins informativos e educacionais, sem endosso ou promoção de produtos específicos.