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Yellow e Grow no Brasil: Ascensão, Queda e Lições do Mercado de Patinetes Compartilhados

Em 2018, as ruas de São Paulo e outras grandes cidades brasileiras foram tomadas por uma onda verde e amarela: os patinetes elétricos compartilhados da Yellow. O que parecia ser o início de uma revolução na micromobilidade urbana acabou tornando-se um estudo de caso sobre os desafios de implementar modelos de negócios inovadores em mercados emergentes. Neste artigo, analisamos a trajetória meteórica e o declínio igualmente rápido da Yellow e Grow no Brasil, extraindo lições valiosas para o futuro da mobilidade elétrica compartilhada no país.

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A Ascensão Meteórica

A Yellow surgiu em 2017, fundada por empreendedores experientes que já tinham um histórico de sucesso no mercado brasileiro de mobilidade urbana – incluindo cofundadores da 99, empresa de transporte por aplicativo que se tornou o primeiro “unicórnio” brasileiro. Com o lançamento dos patinetes elétricos, a empresa trouxe uma proposta inovadora de mobilidade urbana para curtas distâncias.

O modelo de negócio parecia promissor: uma solução para o “último quilômetro”, permitindo que os usuários percorressem curtas distâncias de forma rápida, sustentável e sem os transtornos do trânsito. Bastava baixar um aplicativo, localizar o patinete mais próximo, desbloquear via QR code, utilizar e estacionar em qualquer local permitido ao final da corrida.

A expansão não parou por aí. Em janeiro de 2019, a Yellow se fundiu com a mexicana Grin, dando origem à Grow Mobility. A fusão criou o maior player de micromobilidade da América Latina, com operações em sete países e uma frota combinada de 135 mil patinetes elétricos. No auge, a empresa contava com 1.100 funcionários e havia captado impressionantes US$ 150 milhões em investimentos. O mercado já falava sobre um novo “unicórnio” latino-americano em potencial.

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A Queda Vertiginosa

No entanto, o sonho durou pouco. Por trás do crescimento acelerado, escondiam-se problemas estruturais que se tornariam evidentes ao longo de 2019. Naquele ano, a operação brasileira da Grow acumulou um prejuízo de quase R$ 350 milhões – um valor alarmante para qualquer startup em estágio inicial.

O início de 2020 marcou o começo do fim. A empresa reduziu drasticamente sua presença, mantendo patinetes em apenas três cidades brasileiras – das 17 em que operava anteriormente. A pandemia de COVID-19, que se instalaria poucos meses depois, seria apenas o golpe final em um modelo já fragilizado.

Em julho de 2020, a Grow entrou com pedido de recuperação judicial, acumulando uma dívida de R$ 38 milhões. O desfecho veio em novembro de 2023, quando a Justiça de São Paulo decretou a falência da empresa, encerrando oficialmente a trajetória que havia começado com tanto otimismo alguns anos antes.

Lições Fundamentais do Mercado

A história da Yellow e Grow oferece importantes aprendizados para empreendedores, investidores e formuladores de políticas públicas interessados no futuro da mobilidade urbana no Brasil:

1. O Desafio Regulatório

Um dos maiores obstáculos enfrentados pela Grow foi a indefinição regulatória. Quando os patinetes chegaram ao Brasil, não existia legislação específica para sua operação. Diferentes cidades adotaram abordagens distintas, muitas vezes improvisadas, resultando em multas, apreensões de equipamentos e insegurança jurídica para a empresa e seus usuários.

A lição é clara: inovações disruptivas precisam de um ambiente regulatório que equilibre segurança pública com espaço para crescimento. O diálogo entre empresas inovadoras e poder público deve começar antes da implementação em larga escala.

2. Infraestrutura Urbana Inadequada

As cidades brasileiras, em sua maioria, não foram planejadas para micromobilidade. A falta de ciclovias e infraestrutura adequada criou conflitos com pedestres e motoristas, além de aumentar os riscos de acidentes. Um patinete elétrico que atinge 20 km/h precisa de espaços seguros e dedicados para circular – algo raro no cenário urbano brasileiro.

A experiência da Grow evidencia a necessidade de pensar a mobilidade de forma sistêmica, com investimentos em infraestrutura que acompanhem as inovações tecnológicas.

3. Vandalismo e Furtos: Um Custo Subestimado

Um dos fatores que mais impactaram a sustentabilidade financeira da operação foi o alto índice de vandalismo e furtos. Patinetes eram frequentemente danificados, abandonados em locais inadequados ou até mesmo atirados em rios e lagos. Cada unidade, com custo aproximado de R$ 3 mil, representava um investimento significativo que muitas vezes não tinha tempo de gerar retorno antes de ser inutilizado.

Esta realidade aponta para a necessidade de adaptar tecnologias e modelos de negócio às particularidades culturais e sociais de cada mercado.

4. Insustentabilidade Financeira do Modelo

Por trás do crescimento acelerado estava um modelo de negócio fundamentalmente desafiador: altos custos de aquisição de equipamentos, manutenção contínua, equipes de recarga e redistribuição, somados a uma receita por uso relativamente baixa. A matemática simplesmente não fechava – cada corrida custava mais para a empresa do que gerava em receita.

O caso da Grow demonstra o perigo de priorizar crescimento acelerado e market share sobre sustentabilidade financeira – uma lição valiosa para o ecossistema de startups.

5. Equipamentos Não Adaptados ao Uso Intensivo

Os patinetes utilizados não foram projetados para o uso compartilhado intensivo em condições urbanas desafiadoras. Problemas com baterias, freios e estrutura eram frequentes, aumentando os custos de manutenção e reduzindo a disponibilidade da frota.

Este ponto ressalta a importância de desenvolver tecnologias específicas para novos modelos de uso, em vez de simplesmente adaptar produtos existentes.

6. O Impacto da Pandemia

Embora não tenha sido a causa primária do fracasso, a pandemia de COVID-19 acelerou significativamente o declínio da Grow. Com lockdowns e redução drástica da circulação urbana, o modelo de compartilhamento de veículos tornou-se ainda menos viável.

A crise sanitária evidenciou a vulnerabilidade de modelos de negócio baseados em alta rotatividade e uso compartilhado em situações excepcionais.

O Futuro da Micromobilidade Elétrica no Brasil

Apesar do desfecho da Grow, seria precipitado decretar o fim da micromobilidade elétrica compartilhada no Brasil. Novas empresas, como a Whoosh, têm surgido com abordagens mais cautelosas e modelos de negócio ajustados às realidades locais. Além disso, a tendência de aquisição pessoal de patinetes elétricos segue em crescimento, demonstrando que existe demanda por soluções de micromobilidade elétrica.

O verdadeiro legado da Yellow e Grow talvez seja ter iniciado uma importante transformação cultural: introduzir os patinetes elétricos no imaginário urbano brasileiro e demonstrar que existem alternativas viáveis ao modelo tradicional baseado em automóveis.

FAQ: Patinetes Elétricos no Brasil

1. O que aconteceu com os patinetes da Yellow e Grow após a falência?

A maior parte dos patinetes foi vendida em leilões ou para outras empresas do setor. Alguns equipamentos foram descartados devido a danos, enquanto outros foram adquiridos por compradores individuais. Não é incomum encontrar antigos patinetes da Yellow ou Grow sendo usados para fins particulares ou revendidos no mercado de segunda mão.

2. Existem ainda empresas de patinetes elétricos compartilhados operando no Brasil?

Sim. Após a saída da Grow, outras empresas como a Whoosh continuam operando em algumas cidades brasileiras, porém com escala menor e modelos de negócio mais cautelosos. Estas empresas geralmente têm estratégias diferentes, como operações em áreas específicas das cidades ou parcerias com empresas e condomínios.

3. É possível ter rentabilidade com patinetes elétricos compartilhados no Brasil?

Especialistas apontam que sim, mas com condições específicas: operações menores e mais focadas, equipamentos mais robustos, tecnologia anti-vandalismo aprimorada, e principalmente, parcerias com o poder público. O modelo massificado e de rápida expansão da Grow provou-se insustentável, mas abordagens mais cirúrgicas podem encontrar nichos viáveis.

4. Como está a regulamentação para patinetes elétricos atualmente?

Após a experiência da Grow, várias cidades brasileiras desenvolveram legislações específicas para regular o uso de patinetes elétricos. São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais agora possuem regras mais claras sobre velocidade máxima, locais permitidos para circulação e estacionamento, além de requisitos para empresas que desejam operar serviços de compartilhamento.

5. Os patinetes elétricos têm futuro como opção de mobilidade urbana no Brasil?

A experiência da Grow mostrou que existem desafios significativos, mas o interesse por soluções de micromobilidade elétrica permanece. O mercado de venda direta de patinetes elétricos para uso pessoal tem crescido, indicando que o modal em si tem apelo. Para modelos de compartilhamento, o caminho parece ser o de operações mais modestas, com foco em áreas específicas onde a demanda é mais concentrada e a infraestrutura mais adequada.

Em resumo…

O caso Yellow e Grow é emblemático no cenário brasileiro de mobilidade urbana: uma ideia promissora que não conseguiu superar os desafios estruturais do mercado. Mas seria simplista demais reduzir sua história a apenas um fracasso empresarial.

Os patinetes elétricos da Yellow e Grow transformaram, mesmo que temporariamente, a paisagem urbana brasileira e introduziram milhares de pessoas a uma nova forma de se locomover. Pela primeira vez, muitos brasileiros experimentaram a liberdade e a praticidade da micromobilidade elétrica em trajetos curtos – uma experiência que permanece no imaginário coletivo.

O verdadeiro teste para o mercado de patinetes elétricos compartilhados no Brasil não está no passado, mas no futuro: empresas que aprenderem com os erros da Grow, adaptando seus modelos de negócio às realidades locais, desenvolvendo tecnologias mais robustas e construindo relacionamentos produtivos com o poder público, poderão finalmente consolidar esse modal como parte essencial da mobilidade urbana brasileira.

A revolução da micromobilidade elétrica no Brasil não fracassou – apenas encontrou seus primeiros obstáculos. E como toda inovação verdadeiramente transformadora, precisará de múltiplas tentativas antes de finalmente se estabelecer como parte do novo normal.